"Não me sinto com 80 anos. O calendário é que fala isso. Mas não tenho essa idade", diz, sério, o poeta Ferreira Gullar quando o assunto é seu próximo aniversário, em 10 de setembro. A tranqüilidade associada à velhice, realmente, não se aplica a ele, como sabem os leitores de sua coluna na Ilustrada. Gullar, que lança em setembro um livro inédito de poesia, "Em Alguma Parte Alguma", preserva intacto há mais de 50 anos o espírito crítico que faz dele um dos principais, e mais controversos, pensadores do país. No domingo, um dia antes de ganhar o Prêmio Camões, o principal da língua portuguesa, ele participou do Festival da Mantiqueira, em São Francisco Xavier. Logo após o debate, recebeu a Folha. Nesta primeira parte da entrevista, fala sobre governo Lula, o comunismo e as eleições presidenciais.
Folha - Por sua história política, muita gente estranha o senhor ser um dos principais críticos do Lula.
Ferreira Gullar - Não é que seja um crítico ferrenho, tento ser objetivo. Eu me preocupo com o futuro do meu país. O Lula é um farsante, não merece confiança. Não entendemos o que ele faz. Como abraçar o Ahmadinejad [presidente do Irã], de um regime que é uma ditadura teocrática, que realizou uma eleição fraudada. O povo protestou contra o resultado e o Lula disse que aquilo é choro de perdedor.
Folha - O senhor já declarou admirar o presidente Barack Obama. O que achou quando ele disse que Lula é o "cara"?
Ferreira Gullar - Isso foi uma brincadeira. O fato de o Lula ser um operário que chegou aonde chegou desperta a simpatia das pessoas. Mas não quis dizer que o Lula é "o cara" do mundo. Outra grande bobagem é o Marco Aurélio Garcia [assessor da Presidência] querer impedir a exibição de filme americano na TV a cabo. Alguém tem que falar para ele que já estamos em 2010. É muito atraso.
Folha - O senhor ainda se considera de esquerda?
Gullar - Essa coisa de direita e esquerda é bastante discutível. Quem é de esquerda hoje? O Lula é de esquerda? Não me faça rir. Eu nunca tive medo de pensar por mim mesmo. Não fico preso a uma verdade indiscutível.
Folha - Arrepende-se de ter sido filiado ao Partido Comunista na década de 1960?
Gullar - O marxismo foi uma atitude correta e digna diante do capitalismo selvagem do século 19. Surgiu como uma alternativa contra aquela coisa inaceitável. Mas a projeção da sociedade futura, com a ditadura do proletariado, é um sonho equivocado. O marxismo tem uma visão política generosa, mas equivocada.
Folha - O senhor, então, também se equivocou?
Gullar - Eu também cometi muitos erros na época [anos 60]. A fúria fundamentalista só conduz ao erro. Queria me sacrificar pelos interesses do país, mas não basta ter razão para estar certo.
Folha - E quanto às eleições, quais são suas expectativas?
Gullar - A Marina Silva é uma excelente pessoa. É preciso alguém com a pureza dela num país onde a corrupção impera. Mas a chance de ela ganhar é pouca. Eu espero que a Dilma não ganhe. Se ganhar, nós corremos o risco de ter 20 anos de PT no governo, o que seria um desastre nacional.
Folha - Vai então votar no Serra?
Gullar - Vou. Pelo que sei, ele fez um ótimo governo em São Paulo. Foi excelente ministro da Saúde. Se não votar nele, vou votar em quem?
MARCO RODRIGO ALMEIDA - ENVIADO ESPECIAL DA FOLHA A SÃO FRANCISCO XAVIER
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